Cores

Natalia Assarito
3 min readApr 24, 2023

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Eu tinha tido a ideia de um texto genial. Ele era muito bom, muito bom mesmo. Mas, eu cochilei depois e esqueci. Então vai esse daqui mesmo.

Fiz novas amigas que eu chamo de apocalípticas. Na verdade eu já as conhecia de muito tempo atrás, da escola, e nunca dei muita bola. Agora a gente se vê, no mínimo, 2x na semana e vai pro samba e beija a boca de homens e treina juntas e dá risada e usa roupa de piriguete.

Sabe, tá sendo sensacional — apesar de hoje eu ter 43 reais na minha conta e sei lá como eu vou viver sem um emprego e com 43 reais na minha conta (vou viver porque toda vez que eu acho que acabou pra mim e tá tudo perdido surge algo ou alguém do além e me salva, então não estou propriamente preocupada). Eu tô gostando muito delas. E de treinar. E do samba. E de beijar bocas de homens.

A bipolaridade me faz ser compulsiva por compras e ter dívidas enormes. Nisso eu não gosto de pensar porque nesse caso eu tô perdida mesmo e o que não tem remédio, remediado está. Contudo, se tem uma coisa que eu me orgulho é do meu guarda-roupa.

Eu simplesmente abro ele e digo “me surpreenda” e sempre sai exatamente o que eu quero dali. Meus looks extravagantes me fazem alguém melhor. É literalmente um “cheguei e você não vai deixar de me notar”. Eu acho que eu posso passar fácil uns 2 anos sem repetir roupa. O terror dos ecologistas.

Sinto vergonha, mas também tento entender que é o que eu consigo fazer hoje, porque estou doente — inclusive, desde que acrescentei o lítio, tenho tido menos vontade de comprar (agora eu tomo 7 comprimidos por dia, de remédios diferentes pra bipolaridade, no total).

Minha psicóloga (sempre ela) me disse que no espectro de cores eu preciso sempre estar dentro da mais forte ou na mais clara. Mania ou depressão. Tudo ou nada.

Na boa, quem é que quer viver no meio? Aristóteles me ensinou que o meio é o perfeito, o ponto de equilíbrio e que é inalcançável (sou socióloga, meu bem). Pode até ser, Aristóteles era sábio e querido.

Não quero viver no morno.

Eu quero tudo tudo tudo. E quando eu não tenho tudo vou me deprimir. Vou querer deitar e morrer. Depois vou sentir raiva e querer jogar uma cadeira pela janela.

A Dolly tá morrendo. Ela tem 18 anos, o que é muito tempo pra uma cadela. Ela é um ponto importante da nossa família, são muitos anos juntas e eu vou dormir e penso 30x até pegar no sono “a Dolly vai morrer essa noite e aí fodeu de vez”.

Eu não aceito que a Dolly morra. Eu não aceito descansar. Eu não aceito cores intermediárias. Eu não aceito uma vida vazia de emoção.

Eu quero tudo. Eu sou a cor mais forte. E o tudo me destrói até eu querer o nada. Não é possível que não exista um remédio pra isso.

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Natalia Assarito

cientista social. Transformo angústias em texto. Instagram: @nanaleitora