Eu estou dormindo
E eu escuto um grito. Alguém, lá no fundo, chamando meu nome. Ou só um grito desesperado. Ou a campainha tocando. Ou o telefone fixo que eu nem lembrava que eu tenho. Ou o interfone. Ou uma explosão. Ou o celular da minha mãe.
Acordo tremendo e suando. Porque é uma má notícia. Ninguém liga, grita, chama, interfona ou explode pra trazer boa notícia. Atordoada, tento entender o que está acontecendo.
Meu pai tá vivo? O que será que aconteceu com o meu pai? Porque eu não tenho mais avós e nem a Dolly, então a notícia ruim só pode ser do meu pai.
Tudo no mais profundo silêncio. Minha mãe dorme. E ninguém me chamou, ninguém gritou, a campainha, o telefone e o interfone não tocaram, nada explodiu. Nem o celular da minha mãe.
Eu fico pensando se fiquei louca de vez. Se esse tanto de remédio não faz mais efeito nenhum e se eu preciso de outro. Se existe esquizofrenia noturna. Se eu preciso tomar um passe ou ir no culto de cura e libertação ou falar com um preto velho.
Porque essa angústia e esse estado de alerta não passam. Eu só preciso descansar um pouco e sem gritos na minha cabeça.
Hoje eu chorei porque o cara que eu beijei no samba postou um story lindo. Eu chorei muito. Eu chorei por um homem que eu nem conheço quando eu deveria chorar pela Dolly (eu também chorei pela Dolly no carro porque me deu saudades dela) e pela minha tia que tá com um aneurisma e suspeita de tumor no cérebro e pelas dezenas de entrevistas que eu não aguento mais fazer.
Talvez eu tenha chorado por tudo isso. E pelo homem do samba que nem é lindo, mas tem uma covinha bonita e luta jiu jitsu e eu criei uma fic no último mês imaginando que ele ia me virar na cama com uma mão só igual o Chay fez com a Jade na novela.
Também penso que vocês estão de saco cheio de lerem sempre as mesmas coisas, mas não larguem a minha mão, não me deixem aqui sozinha. Porque aqui é o único lugar em que eu não preciso ser forte. E eu posso dizer “olha, eu tô louca”.
Olha, eu tô louca.
“Loucura, eu penso, é sempre um extremo de lucidez. Um limite insuportável. Você compreende, compreende, compreende e compreende cada vez mais, e o que você vai compreendendo é cada vez mais aterrorizante – então você “pira”. Para não ter que lidar com o horror” – Caio Fernando Abreu