Eu nunca fiz um teste de gravidez

Natalia Assarito
3 min readMar 23, 2023

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Assim como eu só fiz o de Covid quando tive Covid. Quando eu estiver grávida (pelo amor de Deus, talvez eu pense que espero que nunca esteja) eu vou saber. Tenho essa certeza.

Com o amor sou o oposto. Faço inúmeros testes porque sempre acho que estou apaixonada, até que eu não estou.

Eu gosto muito dos textos antigos da Tati Bernardi. Tenho a impressão que ela não gosta muito, mas, queria, do fundo do coração, que ela gostasse. Tem um escrito em específico – e que eu não lembro direito – em que ela descreve a esquina da casa do homem que ela ama. E a sensação boa de virar a esquina e a falta que a esquina faz quando, inevitavelmente, chega ao fim o amor.

Sempre penso nesse texto. E na esquina da casa dele. Porque eu só fui capaz de amar uma única pessoa que agora é homem, mas na época era menino. E hoje, na esquina que eu tanto percorri, sem reparar porque era apenas caminho, todo dia alguém coloca um trabalho religioso da umbanda ou candomblé. É uma encruzilhada.

Engraçado e irônico pensar em encruzilhadas. São 4 caminhos pra seguir e nessa hora eu não escolho rumo nenhum. Fico parada lembrando como era legal ter 18 anos, viver com shorts que não tampavam minha bunda, andar de mãos dadas e não ter medo de andar na rua.

Sabe, eu tenho muito medo do lado de fora. De ser assaltada, apanhar, sentir pavor, perder o que eu tenho. Eu vou de uber pra todo canto, ainda que seja perto.

E eu também tenho medo do meu lado de dentro. Do pleonasmo que eu tanto amo: sentir sentimentos. Faz tempo que eu não choro, a última vez foi de solidão.

Quando bate essa onda, eu digo pra mim mesma, “você quer chorar? Tá tudo bem se você chorar, não tem ninguém vendo, você pode ser frágil”, e eu nunca choro. Porque me parece que botar pra fora é aceitar que dói. E doer não é bom.

E eu engulo. O choro de tudo que acaba, das esquinas que eu não percorro mais e também daquelas que nunca me deixaram percorrer. As encruzilhadas que insistem em me dizer que não vou além enquanto não comprar a briga de encarar minha alma.

Hoje eu acordei de um cochilo em que sonhei que tinha perdido meu bebê. Eu ainda nem sabia se ele era menino ou menina. Minha psicóloga interpretava sonhos e quando eu sonhava com gravidez, me dizia que significava que eu estava gestando um novo projeto. E eu achava uma besteira sem tamanho, visto que não encarar a própria alma é também não ter a oportunidade de saber o que se quer e quais são os seus sonhos.

Foi uma dor sem fim perder meu bebezinho. Eu chorava e pedia perdão pro pai, cujo rosto não conseguia ver. Porque parecia que culpa minha, do meu corpo. E, não, eu sei que não é. Inclusive, acordei com um desejo imenso de abraçar todas as mães que já passaram por isso, provavelmente essa foi a maior solidão que eu já enfrentei, ainda que irreal e por alguns instantes.

Voltando: eu sei que, se isso for verdade, perder meu bebezinho simbolicamente seja perder meus projetos. O que é uma piada, uma vez que não tenho nenhum projeto e nem a esperança de fazer qualquer coisa na vida. Eu acordei chorando e logo engoli o choro.

Aos 29 anos tenho a ideia precisa que só vou precisar de um teste de gravidez quando estiver grávida. Já pensei em congelar meus óvulos. Em encarar mais um emprego insuportável pra ter dinheiro e ter a chance de um dia ter um bebê. Depois me jogar nesse desafio imenso que deve ser a maternidade.

E, mais difícil ainda, encarar minha continuidade enquanto ser humano quando eu tenho plena consciência que talvez não faça sentido nenhum essa coisa de nascer pra sentir sentimentos, ser amada, dobrar esquinas e empacar nas encruzilhadas da vida.

“A esquininha que você dobrou quando saiu da casa dos seus pais, a esquininha que você dobrou chorando, porque é mesmo o cúmulo alguém não te amar. A esquininha que você dobrou a vida inteira, indo para a faculdade, para a casa dos seus amigos, para a praia.” – Tati Bernardi

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Natalia Assarito
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Written by Natalia Assarito

cientista social. Transformo angústias em texto. Instagram: @nanaleitora

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